quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Sobre a desnecessária formalização do amor

Por que falar de amor é algo tão formal? Fico imaginando como seriam algumas situações sem as formalidades já padronizadas. Já há manuais, livros, tudo na tentativa de formalizar a fórmula certa. Sem sucesso.

Até mesmo para escrever sobre o assunto é assim: preparamos nossas palavras mais difíceis, ligamos sentenças com maestria ou tecemos versos como poetas da gramática, e não da paixão. Em muitas ocasiões nos preocupamos em registrar ali o léxico perfeito, e não o que nos consome, o que soa mais urgente. O visceral fica em segundo plano. (Talvez pela própria natureza da ideia ‘visceral’. O mais imediato é gritar e chorar, não escrever).

Exemplo clássico da formalidade do amor é o “precisamos conversar”. A frase traz, de imediato, presságios solenes e impessoais. Já armamos a nossa guarda enquanto buscamos nos desfazer do automático nó na garganta. Tentamos, inutilmente, nos proteger do sofrimento que parece inevitável: daquela punhalada nas costas que está prestes a nos rasgar por dentro. E depois agüentamos todo aquele impacto repentino. Uma bomba.

[que fique claro: não defendo, com isso, a conversa total e exclusivamente impessoal por sms, e-mail. Ainda acho que 'o meio é a mensagem' - alô, McLuhan!].

Até com os amigos é assim: "Vamos marcar de conversar? Preciso de alguns conselhos". Marca-se o encontro e, então, a revelação: "Acho que estou apaixonado pela Ju!". Por que não dizer logo? Comemorar? Adiantaria-se os cálculos da (im)provável reciprocidade.

E as alianças, então? Outra formalização do sentimento. Parece-nos que não basta sentir: é preciso mostrar que sentimos. E que sentimos muito, amamos intensamente, mais do que qualquer outro casal. Precisamos ser 'mais', superiores em tudo - inclusive na dor. Vivemos com a constante necessidade de aprovação (No plural. Não me excluo disso, pelo contrário).

Não desprezo ou rebaixo a importância do amor, mas destaco a naturalidade do sentimento. Todo mundo ama (ou já quis amar), e nada mais justo do que sentir, aproveitar sem delongas o que as doses de ocitocina nos proporcionam.

Já imaginou falar sobre ardentes paixões em uma mesa de bar? Entre os homens fala-se de sexo, mas raramente há divagações e questionamentos sem que haja embaraço de um dos presentes. "Homem não pode ser sensível desse jeito!", pensam. Muda-se o assunto rapidinho. Afinal, ninguém quer ser visto como o antiquado da turma. O 'fresco'.

De certa forma é interessante imaginar o amor descomplicado. Fica até cômico. "Oi, Sara! Barulhento aqui no bar, né? Mas então. Você é linda, adoro suas ideias, acho que me apaixonei por você!" – diria o rapaz, enquanto gesticula para que lhe passem as batatas na outra ponta da mesa e tenta, em vão, remover aquele pedaço da porção de frango à passarinho que insiste em permanecer entre seus incisivos.

No mesmo momento alguém também pediria: "garçom! Ei, garçom! Me traz aí um amor, mas nada dessas porcarias idealizadas! Porção? Não, não. Amor deve ser servido inteiro. E capricha no tempero!".

Definitivamente saboroso.

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TÁXI

"O poeta passa de táxi em qualquer canto e lá vê
o amante da empregada doméstica sussurrar
em seu pescoço qualquer podridão
deste universo.

Como será o amor das pessoas rudes? O poeta não se conforma de não conhecer
todas as formas de delicadeza."

                                      (CACASO, 2002)

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Saudosismo, trema e um eu-lírico neologista

Houve um tempo que o não-uso do trema significaria a perda de pontos na escola. Hoje é “cafonice”, sinal de que o escritor “não se adapta às mudanças do nosso tempo”.

Em breve nossos filhos dirão, enquanto observam curiosos os livros que ajudaram em nossa formação (cafona):

    _ Papai! Que estranho! O que são esses dois pontinhos que estão em cima do “u”?
    _ Chama-se trema, meu filho – responderemos, cheios de saudosismo.
    _ Trema? Para que serve isso?
    _ Antigamente nós o usávamos para indicar que o som do “u” era pronunciado. 
    _ Ah... Mas se tem “u” na palavra, por que a gente não ia falar o som dele?
    _ Guilherme, meu filho...

Quando este tempo chegar, espero não ter mais arrepios ao ver a nova grafia das palavras. Mesmo algum tempo depois da Reforma Ortográfica, me surpreendo ao verificar que ainda não atingi a autossuficiência (sic? hehe) gramatical. Talvez eu devesse deixar as regras de lado e dar mais espaço ao meu eu-lírico neologista e antiquado. Veremos.