domingo, 3 de maio de 2009

Perfil: A Saga de um Imperador Urbano

Acordar às 6 da manhã, preparar o café da manhã de três filhos e se arrumar para o trabalho no centro da cidade. Muitos interpretariam a rotina de Júlio César Araújo, de 35 anos e nascido em Manaus, como apenas mais uma, não fosse sua profissão. Quem passa pelo calçadão da Rua Halfeld, no coração de Juiz de Fora não deixa de notar o trabalho do homem com nome de imperador. Há sempre tempo para uma dar olhada na escultura viva que já se tornou um símbolo da cidade, em frente ao Cine-Theatro Central. Cada olhar lançado para a estátua pode facilmente vir acompanhado de um sorriso, graças aos movimentos cadenciados realizados pela estátua quando há o reconhecimento de seu trabalho.


Júlio caminha cerca de quatro quilômetros do bairro Santo Antônio, onde mora, até um hotel no centro da cidade para se preparar para mais um dia de estátua. A caminhada, diz ele, ajuda a esquentar o corpo e evitar algumas lesões. Ao chegar ao hotel, ele ainda gasta 40 minutos se maquiando com uma tinta de composição especial, a qual ele não revela completamente. É assim que se inicia o dia de um homem que, contrariando todas as frases prontas, ganha a vida e sustenta sua família sem se mexer.

Poucos imaginam que hoje, aquele que é uma estátua, já trabalhou como vendedor, e até em uma gráfica; imaginam menos ainda que o atual ofício lhe rendeu uma participação no filme “Cidade dos Homens”, além de uma aparição no “Fantástico”. O artista conta que iniciou o trabalho por conta de necessidades financeiras, no Rio de Janeiro, onde trabalhou durante dois anos em Copacabana. Depois, ele afirma, tomou gosto pelo que faz. Isso devido à influência de sua ex-mulher e de alguns amigos, que já trabalhavam com a “arte da imobilidade”. No início, ele diz, o processo de se maquiar levava cerca de duas horas, além de existir o desperdício de material. Com o tempo, a técnica foi aprimorada; o gasto de tinta diminuiu, e o trabalho se tornou menos desgastante. A ida ao banheiro não se fez mais necessária. “O corpo acaba se condicionando. Eu não como nada o dia todo. O máximo que eu faço é me hidratar, às vezes”, afirma.

Seu primeiro personagem representado - não por acaso - foi justamente Julio César, o imperador romano. Além do fato de serem homônimos, o artista conta que a escolha deste personagem se deu por conta da aparência e das feições do rosto da estátua original, que, segundo ele, são um pouco semelhantes às suas. Hoje ele representa um anjo.

Júlio chegou a Juiz de Fora em 2006, por indicação de sua atual mulher, buscando fugir da violência carioca. Os resultados, segundo ele, foram bons. Ele afirma que os mineiros têm uma receptividade incrível, além de valorizarem mais as atividades culturais. Como exemplo, tem-se um contrato de exclusividade que fora firmado entre ele e uma empresa de eventos, no início de seu trabalho na cidade.

Por outro lado, um dos maiores problemas enfrentados por ele é a falta de educação. Muitos já o insultaram, além de desvalorizarem explicitamente sua profissão. O artista, de modo diferente, sem reagir às provocações, responde justamente com o que falta nessas pessoas: respeito. Em tais situações, ele aproveita para exercitar o que considera uma das maiores virtudes do ofício, a paciência. Seu trabalho, ele conta, com humildade, é feito para agradar ao público, e carisma e postura corporal são fundamentais. Neste sentido, sem uma conduta adequada, sua imagem é prejudicada. Além dos insultos, outro grande problema é o assédio feminino, bem como a ação de curiosos, que se encostam à tinta de seu corpo, para ver se ela sai.

Quando indagado sobre a existência do reconhecimento à profissão, ele diz que já houve casos em que a consideraram como somente mais uma forma para pedir esmola. O anjo urbano também reitera que a televisão exerce um papel fundamental neste sentido. A definição do que é a arte acaba sendo restrita àquilo que os meios de comunicação exibem como tal. O trabalho de uma estátua viva no Brasil ainda não é visto com bons olhos em grande parte por conta disso. Júlio conta que, em muitas ocasiões, os elogios partem de pessoas que já viram este tipo de arte em outros países. No que diz respeito ao incentivo a esse tipo de arte, o governo brasileiro nada faz, segundo ele, apesar de existirem sindicatos em defesa das estátuas vivas.

O homem-estátua diz que em Julho pretende viajar para a Alemanha, onde sua mãe mora, para ver a repercussão de seu trabalho. Se tudo der certo, ele pretende voltar mais duas vezes, para mais tarde encerrar sua carreira. “Quando chegamos a determinada idade, o corpo se cansa mais facilmente”, diz.

Depois de cada dia de trabalho, a estátua com feições aristocráticas e humildade em seus gestos ganha vida novamente. De volta ao hotel, o processo de remoção da maquiagem se inicia, e, após tudo isso, Júlio César enfrenta novamente os quatro quilômetros, para começar tudo outra vez no dia seguinte e encantar adultos e crianças.

3 comentários:

Mahína disse...

Ei Lucas! Saudades suas! Adorei o texto: assunto interessante e muito bem escrito. Vc devia mandar uma versão reduzida dele pro "Arena" da Tribuna de Minas, que tal? Um abraço!

Álvaro Dyogo disse...

Belo texto, peths! Já entrevistei ele tb... foi mto engraçado abordá-lo... xD

Estranhos Conhecidos disse...

Caramba, Peths! Sou fã desse cara... Mas não sabia que ele ficava o dia inteiro de estátua, sem ir ao banheiro nem comer.
Excelente texto!